quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

AS MEMÓRIAS INVENTADAS DE ANTONIO TABUCCHI: A LITERATURA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA



Juliana Karol de Oliveira Falcão¹[1]
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Arthur Rodrigues de Lima²
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Auricélia Lopes Pereira
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Orientadora

INTRODUÇÃO
A literatura é um dos diversos meios utilizados pelas pessoas para expressarem seu viés artístico em todo o mundo. No entanto, apesar da obra literária ser um objeto que emerge de uma invenção, não significa que a mesma possua sua geografia não obstante de historicidade, assim como também não significa que ela é livre de interrogações sobre sua produção, pois, justamente por ser inventiva a mesma é composta por signos intencionais, imprimindo em si uma estética que se estabelece a fim de passar uma mensagem.
Portanto, o discurso da obra deve ser questionado para que possamos compreender as teias que entrelaçam essa construção discursiva. A priore deverá ser pensada sobre de que lugar social parte a fala do autor, isto é, quais são as pessoas, as ideologias, que ele defende, visto que, este lugar irá nos ajudar a desvendar toda uma conjuntura de forças, de relações de saber e poder que iram reprimir ou excitar o autor a falar de determinado recorte de discurso (FOUCAULT, 2013). Sem se esquecer de direcionar também o olhar para o texto, identificando quais são as questões a qual ele trata e de que maneira o autor aborda suas inquietações literárias.
Trata-se, portanto, de identificar histórico e morfologicamente as diferentes modalidades da inscrição e da transmissão dos discursos e, assim, de reconhecer a pluralidade das operações e dos autores implicados tanto na produção e publicação de qualquer texto, como nos efeitos produzidos pelas formas materiais dos discursos sobre a construção de seu sentido (Chartier, 1999, 197).
Preocupando-nos em perceber quem é o público alvo que a obra pretende alcançar, ou seja, quais são seus receptores (PESAVENTO, 2004). Ora, não podemos cair na ilusão de que as falas que nos cercam são neutras de intenções, todavia, devemos entendê-las como conjuntos gramaticais estratégicos que buscam passar uma mensagem para o leitor, ou até podemos dizer que, de certa forma, querem fazer com que eles acreditem em uma veracidade. Desse modo,
Essa noção remete ao lugar de onde fala e em que se insere o autor, literato ou não, assim como outros escritores que o cercam; lugar circunscrito e estruturado ao redor das posições que esses produtores culturais ocupam na sociedade e no meio intelectual, no qual estabelecem relações entre si e com outros campos que constituem a vida social; lugar marcado pelos jogos de poder e vinculado com o campo político (BORGES, 2010, p. 97).
Tendo como pressuposto as afirmativas que já foram abordadas é evidente que cada palavra de um texto merece com louvor ser problematizada, questionada, interrogada e “desvendada”. Sabemos que a literatura, por sua vez, é um campo que trabalha lado a lado com a realidade, pois mesmo sendo uma criação da mente humana, ela tem dois poderes que são o de reprimir ou de emergir uma dada perspectiva em sua escrita, este último pode ocorrer de maneira sutil ou até mesmo exacerbada.Desse modo, o livro O Tempo envelhece Depressa do escritor italiano Antônio Tabucchi** se apresenta como uma obra literária com critérios para formar uma ponte entre a história e a literatura. Possibilitando, assim, a fuga de um labirinto, porque a literatura pode ser um dos caminhos que levará os alunos a sair das confusas estradas nas quais estão perdidos. Logo, a partir do momento em que o docente utiliza-se da literatura ele, também, estará fazendo uso de uma prática de ensino transdisciplinar que seria, segundo Edgar Morin (2003), uma metodologia bastante aplicável em uma sociedade contemporânea.
MÉTODO E OPERAÇÃO DA ANÁLISE
Para identificar as contribuições da literatura para o Ensino de História foi feita uma pesquisa essencialmente teórica através de revisão bibliográfica fundamentada em autores que contribuem, principalmente, no campo do discurso, literatura e representação. Bem como a leitura e análise da obra em foco neste artigo, “O Tempo Envelhece Depressa”. Tendo como objetivo identificar características relativas à História, que possibilitem sua aplicabilidade nas metodologias de ensino dentro da sala de aula na disciplina de História.
Também partindo do princípio de identificar dentro de uma esfera interdisciplinar as possíveis relações entre história e literatura observando que ambas possuem objetivos comuns como a reflexão sobre o humano, sua vida, seus valores e seus sentimentos e que tal colocação nos remete a uma discussão teórica, sobre como formas distintas de conhecimento podem a partir de uma contextualização contribuir para uma nova visão do ensino de História.
RESULTADOS E CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
O professor que adere a literatura na prática docente do ensino de história estará afirmando perante os seus alunos que não existe apenas o conhecimento flutuante que não faz ligações, mas sim uma gama de conhecimentos que se emaranham como em uma teia que podem e precisa ser trabalhados em conjuntos em todas as oportunidades possíveis do cotidiano escolar.
É sabido que apesar dos déficits de leitura que pairam no ar de praticamente todas as salas de aulas dos sistemas de ensino público brasileiro, ainda existem alunos que gostam de ler, portanto o professor deve criar pontes entre algo que os alunos já gostam com algo que eles não possuem muita intimidade, as narrações históricas. Os alunos que não possuem o hábito de leitura aos poucos vão se adequando a esta nova prática de ensino, afinal, como aprender a ler corretamente, se dentro da sala de aula (ou em casa) o aluno não possui a postura de leitor. Por conseguinte, ao trabalhar com a literatura, evidentemente, o discente irá ler mais resultando em uma maior desenvoltura de sua fala e escrita, além de um enriquecimento intelectual e um aumento significativo em seu vocabulário, proporcionando um indivíduo mais capacitado para lidar com as situações do dia a dia e da sala de aula de modo geral e não somente na disciplina de história.
Além disso, a literatura irá provocar no aluno uma consciência mais crítica diante do que lê, e até mesmo diante do que vê, pois a partir do momento em que ele começar a realizar uma análise crítica literária, junto com o professor, ele irá perceber que o dito sempre partirá de um lugar de interesse de discurso, isto é, toda obra é filha do seu tempo e possui a intencionalidade do seu autor. A literatura permite que o aluno possa conhecer mais intimamente determinado temporalidade e espacialidade sem ter estado nela. Pois, através do olhar do literato serão captadas inumeráveis características históricas, até mesmo quando ele não possui a intensão de assim fazê-lo. Dessa forma, o escritor traz nas entrelinhas de seu trabalho objetos que viram a ser tratados como monumentos pelos alunos, visto que, serão questionados, investigados, indiciados. Pois, como já dizia Lucien Febvre, todos os textos, mais todos os textos e não só os documentos de arquivos em cujo favor se cria um privilégio. Mas também um poema, um quadro, um drama: documentos para nós, testemunhas de uma história viva e humana, saturados de pensamento e de ação em potência, logo ferramentas para a escrita da História. (Pinsky apud Febvre, 2011).
Levando em consideração este debate teórico à obra O tempo envelhece depressa é de extrema importância para o Ensino de História, pois ela tem todos os seus contos entrelaçados com a perspectiva histórica, proporcionado uma discussão sobre o que significa temporalidade, espacialidade e historicidade. Este é um livro que não possuí vilões nem mocinhos, mas sim pessoas comuns com suas memórias ativas, saudades exprimidas e meditações sobre o passado que horas está distante e que horas esta tão perto. Assim, levando-o para a sala de aula onde as mentes dos alunos estão sendo formadas, pode-se desenvolver também temas em que sejam abordadas noções do sensível, do passado que vive em cada um de nós, pois como sabemos nos vivemos daquilo que vive na nossa memória e o que vive em nossa memória é nossa identidade. Por isso, nem um homem ou mulher pode ser despossuído de memória sem, também, ser privado de identidade (HORTA, 2005). Então, por meio da obra o professor ajudará o aluno a enxergar que todos nos somos parte da história, graças às práticas do cotidiano, assim como os personagens que aparecem nos livros didáticos.
CONCLUSÃO
Dessa forma, a partir das discussões expostas no livro, os alunos irão refletir sobre suas maneiras de inventarem seu cotidiano, tais como a forma que a vida deve ser aproveitada, deixando de lado rancores, suplantando o menosprezo ao diferente e sim sendo capazes de verem nessa possível diferença a união, troca de experiências e conhecimentos, estabelecendo relações que fazem despertar uma troca de sabedorias entre ambos, tornando o convívio de cada um algo mais saudável, mudando assim as relações coletivas de maneira positiva através da construção da visão de alteridade.
Ao Buscar realizar uma análise sobre a obra aqui exposta e sua relação com a história do tempo presente podemos perceber que os dilemas encontrados nas crônicas do livro podem facilmente ser encontrados em meio à sociedade da qual fazemos parte. É comum ouvimos diariamente questionamentos sobre tempo, memoria e o passado que vive em cada um de nós. A nossa história é marcada por essa melancolia que move os personagens do livro e que de forma objetiva move a vida de todos nós.
A história da vida humana é marcada por acontecimentos efêmeros como mostra o livro, em que sentimentos, encontros, fatos, que duram pouco tempo é o que move a vida da multidão que vive tudo de forma passageira e encontra suas consequências em momentos finais e de perda, onde se deparam com questionamentos e sentimentos. Essas são características que muitas vezes são encontradas nas conversas das pessoas, que tem suas vidas marcadas pela melancólica, sensação de solidão que move os seus dias, da mesma forma que também move os personagens do livro de Tabucchi.
Levando as narrativas desse livro para um campo contemporâneo podemos analisá-lo da seguinte maneira. Muitas vezes encaramos o tempo como se ele fosse o deus do infinito, ou até mesmo uma fonte de água cristalina que nunca cessa. Pensamos que amanhã haverá tempo para fazer o que se deseja, para perdoar e para ser feliz. Cometemos esse errôneo pensamento que chega a ser infame: pensar que o amanhã irá acontecer. E acontece, na maioria das vezes, entretanto, mais uma vez, não fazemos nada para mudar a nossa realidade e como um balde de água que estar a aparar uma goteira, o tempo vai acabando, assim como também vai diminuindo o espaço do recipiente, após o repousar de cada gota. Só existe uma diferença podemos jogar a água do balde fora quando ele estiver cheio, todavia não podemos voltar no tempo. E o que nos resta é juntar as sucatas das memórias.
REFERÊNCIAS

BORGES, Valdeci Rezende. História e Literatura: Algumas Considerações. Revista de Teoria da Teoria da História, Ano 1, Número 3, Jun, 2010.

PERFIL: O italiano que sonhava em português.<http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=2383814&seccao=Livros>. Acesso em 17 de Abril de 2014.

PINSKY, Carla Bassanezi e LUCA, Regina de. (orgs.). Literatura a fonte fecunda. O Historiador e suas fontes. - 1. ed. 1ª reimpressão.- São Paulo: Contexto, 2011. (p. 61-93).

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
TABUCHI, Antonio. O tempo envelhece depressa; Tradução: Nilson Moulin, São Paulo: Cosac Naify, 2010. 160p.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
CHARTIER, Roger. DEBATE Literatura e História. (Conferência proferida por Roger Chartier). Nº 1. Rio de Janeiro: Revista Topoi, 1999. Disponível em: <http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi01/01_debate01.pdf>. Acesso em: 15 set. 2014.
HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. [et.al.]. Memória, patrimônio e identidade. Salto para o futuro, Boletim, 2005. Disponível em:<http://salto.acerp.org.br/fotos/salto/series/145632MemoriaPatriIdent.pdf>. Acesso em: 15 set. 2014.






[1] Graduanda do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBID/CAPES.
² Graduando do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBID/CAPES.

**Suas obras foram traduzidas para diversas línguas e perpassam por vários países. No Brasil podemos encontrar vários livros de sua autoria, dentre eles, O fio do horizonte, O Anjo negro, O Tempo envelhece depressa, entre tantas outras. Tabucchi quando esteve na Itália teve contato com poemas do poeta Português Fernando Pessoa, o que acarretou em seu interesse por Portugal, tornando-se mais tarde um notável tradutor dos poemas de Pessoa, além de ser um fã e estudioso de suas obras. Foi professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Génova, foi diretor do Instituto Italiano de Cultura, em Lisboa. Ele veio a falecer no Hospital da Cruz Vermelha, vitima de câncer, em Lisboa, no dia 25 de março de 2012.

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