domingo, 2 de agosto de 2015

Texto Introdutório - J.R.R Tolkien: Nas trincheiras da Primeira Guerra nasce um escritor


Nas trincheiras da Primeira Guerra nasce um escritor

Ao lado de C. S. Lewis, Bertolt Brecht, e. e. cummings, Erich Maria Remarque, Rudyard Kipling, John dos Passos, William Faulkner, Gertrude Stein, Agatha Christie e outros, escritores fizeram parte de uma geração marcada pela guerra. E a experiência no conflito, em diferentes níveis e dos dois lados, acabaria influenciando suas obras – seja como tema de livros ou como experiência definidora dos artistas que eles se tornariam. Para eles, a escrita foi, de certa forma, uma maneira de elaborar o trauma. 

Dentre esses casos, o de J.R.R. Tolkien é o mais significativo. Filho de pais ingleses, Tolkien nasceu na África do Sul, e, depois de ter perdido o pai, mudou-se pra Inglaterra junto com a mãe e o irmão. Tinha 22 anos quando a Primeira Grande Guerra eclodiu, e, ao contrário de muitos colegas, ele preferiu continuar os estudos e não se apresentou como voluntário naquele outono de 1914. Mas a cidade estava ficando vazia e o campus abandonado. Desconfortável com a situação, e sem noção do que representaria e de quanto tempo duraria aquele conflito, ele acabou se juntando ao Corpo de Treinamentos Para Oficiais para se preparar para um possível alistamento.  Mas foi só em 1916 que o tenente Tolkien foi mandado ao front – e logo para a sangrenta batalha de Somme, que já estava em andamento e que apenas no primeiro dia mataria 19 mil soldados britânicos, entre os quais o amigo Rob Gilson.

O autor de O Hobbit e de O Senhor dos Anéis nunca escreveu uma linha sobre o conflito, mas foi, talvez, o mais radical de todos os escritores marcados pela guerra. A experiência do front foi decisiva em sua escolha pela escrita, despertou sua imaginação e seu interesse pelos contos de fada – que tratam, geralmente, do indivíduo que entra em contato com perigos estranhos e mortais. Escrever seu próprio conto de fadas pode ter ajudado Tolkien a sobreviver quase ileso ao trauma da guerra. Um exemplo mais evidente desta influência pode ser visto na primeira história ambientada na Terra Média, The Fall of Gondolin, escrita enquanto Tolkien estava em um hospital se recuperando da “febre da trincheira”. Na trama, o Senhor das Trevas Morgoth sitia a cidade élfica de Gondolin com máquinas de destruição extremamente poderosas na forma de dragões e serpentes, comparáveis às encontradas no front ocidental.

Porém, a mais expressiva influência da Primeira Guerra nas obras de Tolkien pode ser encontrada em Samwise Gamgee, um dos personagens principais de O Senhor dos Anéis. Baseado nos soldados comuns que Tolkien conheceu durante a guerra, homens que mantiveram sua coragem e permaneceram animados mesmo quando não havia muitas razões para ter esperança. O vínculo de amizade entre Frodo e Sam é um reflexo direto dos relacionamentos que manteve com seus companheiros durante a guerra: "Meu Sam Gamgees é deveras um reflexo do soldado inglês, dos soldados rasos e dos 'batmen' que eu conheci na guerra de 1914, reconhecidamente tanto mais superiores que eu mesmo", disse Tolkien.

Tolkien sobreviveu à guerra, e logo depois começou a escrever os primeiros rascunhos das suas mundialmente famosas obras como O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion. Apesar de nunca admitir que suas histórias fossem influenciadas pela sua experiência nos front de batalha, Tolkien reconhecia que não poderia permanecer totalmente desafetado pelas mesmas. Seu prefácio para o livro faz clara referência à experiência da Primeira Guerra Mundial e as mortes de seus amigos:


 “Deve-se, de fato, pairar sob a sombra da guerra para sentir completamente sua opressão. Porém, à medida que os anos se vão, parece que esquecem que ser jovem nos idos de 1914 era uma experiência não menos pavorosa do que se entrar por 1939 e anos seguintes. Por volta de 1918, quase todos os meus amigos mais próximos (à exceção de um) estavam mortos.” – J.R.R. Tolkien, prefácio ao Senhor dos Anéis.

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