Nas trincheiras da
Primeira Guerra nasce um escritor
Ao
lado de C. S. Lewis, Bertolt Brecht, e. e. cummings, Erich Maria Remarque,
Rudyard Kipling, John dos Passos, William Faulkner, Gertrude Stein, Agatha
Christie e outros, escritores fizeram parte de uma geração marcada pela guerra.
E a experiência no conflito, em diferentes níveis e dos dois lados, acabaria
influenciando suas obras – seja como tema de livros ou como experiência
definidora dos artistas que eles se tornariam. Para eles, a escrita foi, de
certa forma, uma maneira de elaborar o trauma.
Dentre
esses casos, o de J.R.R. Tolkien é o mais significativo. Filho de pais
ingleses, Tolkien nasceu na África do Sul, e, depois de ter perdido o pai,
mudou-se pra Inglaterra junto com a mãe e o irmão. Tinha 22 anos quando a
Primeira Grande Guerra eclodiu, e, ao contrário de muitos colegas, ele preferiu continuar os estudos e não se apresentou
como voluntário naquele outono de 1914. Mas a cidade estava ficando vazia e o campus
abandonado. Desconfortável com a situação, e sem noção do que representaria e
de quanto tempo duraria aquele conflito, ele acabou se juntando ao Corpo de
Treinamentos Para Oficiais para se preparar para um possível alistamento. Mas
foi só em 1916 que o tenente Tolkien foi mandado ao front – e logo para a
sangrenta batalha de Somme, que já estava em andamento e que apenas no primeiro
dia mataria 19 mil soldados britânicos, entre os quais o amigo Rob Gilson.
O autor de O Hobbit e de O Senhor dos Anéis nunca escreveu
uma linha sobre o conflito, mas foi, talvez, o mais radical de todos os
escritores marcados pela guerra. A experiência do front foi decisiva em sua
escolha pela escrita, despertou sua imaginação e seu interesse pelos contos de
fada – que tratam, geralmente, do indivíduo que entra em contato com perigos
estranhos e mortais. Escrever seu próprio conto de fadas pode ter ajudado
Tolkien a sobreviver quase ileso ao trauma da guerra. Um exemplo mais evidente
desta influência pode ser visto na primeira história ambientada na Terra Média,
The
Fall of Gondolin, escrita enquanto Tolkien estava em um hospital se
recuperando da “febre da trincheira”. Na trama, o Senhor das Trevas Morgoth
sitia a cidade élfica de Gondolin com máquinas de destruição extremamente
poderosas na forma de dragões e serpentes, comparáveis às encontradas no front
ocidental.
Porém, a mais expressiva influência da Primeira Guerra nas
obras de Tolkien pode ser encontrada em Samwise Gamgee, um dos personagens
principais de O Senhor dos Anéis. Baseado nos soldados comuns que Tolkien
conheceu durante a guerra, homens que mantiveram sua coragem e permaneceram
animados mesmo quando não havia muitas razões para ter esperança. O vínculo de
amizade entre Frodo e Sam é um reflexo direto dos relacionamentos que manteve
com seus companheiros durante a guerra: "Meu Sam Gamgees é deveras um
reflexo do soldado inglês, dos soldados rasos e dos 'batmen' que eu conheci na
guerra de 1914, reconhecidamente tanto mais superiores que eu mesmo",
disse Tolkien.
Tolkien sobreviveu à guerra, e logo depois começou a escrever
os primeiros rascunhos das suas mundialmente famosas obras como O
Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion. Apesar de nunca
admitir que suas histórias fossem influenciadas pela sua experiência nos front
de batalha, Tolkien reconhecia que não poderia permanecer totalmente desafetado
pelas mesmas. Seu prefácio para o livro faz clara referência à experiência da Primeira
Guerra Mundial e as mortes de seus amigos:
“Deve-se, de fato, pairar sob a sombra da
guerra para sentir completamente sua opressão. Porém, à medida que os anos se
vão, parece que esquecem que ser jovem nos idos de 1914 era uma experiência não
menos pavorosa do que se entrar por 1939 e anos seguintes. Por volta de 1918,
quase todos os meus amigos mais próximos (à exceção de um) estavam mortos.”
– J.R.R. Tolkien, prefácio ao Senhor dos Anéis.
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